A exaustão dos streamings
A indústria dos streamings – até então considerada uma “fortaleza inabalável” no mercado de entretenimento – levou dois grandes golpes em abril de 2022: pela primeira vez em uma década, a Netflix perdeu assinantes; e a plataforma CNN+, de propriedade da Warner Media, foi cancelada com menos de um mês no ar nos EUA.
Para analistas, há alguns fatores para o atual momento de perdas e incertezas na guerra dos streamings: as decisões econômicas da indústria se tornaram insustentáveis e o próprio público vive uma certa exaustão diante de tantas opções de conteúdo disponíveis.
Netflix, a gigante enfraquecida
Líder absoluta do segmento, a Netflix registrou perda de assinantes pela primeira vez em uma década. Ao todo, 200 mil pessoas saíram do serviço entre janeiro e março de 2022. O anúncio foi feito no dia 19 de abril.
A expectativa original da companhia era ganhar 2,5 milhões de clientes nos três primeiros meses do ano, o que não se concretizou. Um dos motivos para o resultado ruim do balanço foi a decisão da companhia de suspender suas atividades na Rússia após o país iniciar uma invasão militar na Ucrânia. Outra explicação para o recrudescimento da quantidade de clientes é a crescente concorrência no mercado de streaming, com a ascensão de serviços como Amazon Prime, Disney + e HBO Max.
A empresa também culpou o compartilhamento de contas pelos resultados ruins. “O grande número de famílias compartilhando contas, combinado com a concorrência, está criando ventos contrários no crescimento da receita”, afirmou em comunicado. Em março, a Netflix anunciou que vai começar a cobrar taxas extras de quem compartilhar sua senha.
A previsão de Wall Street era de que a receita da empresa atingisse US$ 7,93 bilhões. No entanto, o crescimento no faturamento ficou aquém das expectativas, chegando ao patamar de US$ 7,87 bilhões. Mesmo assim, a Netflix continua a ser o serviço de streaming dominante no mundo, com mais de 221 milhões de assinantes ao redor do globo.
As dificuldades de ampliar a base de assinantes também estão ligadas aos hábitos dos consumidores. A última pesquisa Digital Media Trends da Deloitte, divulgada no final de março, revelou que a geração Z, cuja faixa etária se estende dos 14 aos 25 anos, passa mais tempo jogando videogames e se divertindo com vídeos publicados por criadores de conteúdo de plataformas como TikTok e YouTube do que assistindo a conteúdos de serviços de streaming. A Netflix tem planos de colocar games dentro do aplicativo.
Um dos movimentos estudados pela empresa para reverter o resultado negativo do último trimestre é a possibilidade de lançar planos mais baratos, que, diferentemente dos oferecidos aos clientes até aqui, terão anúncios. Além disso, algumas divisões da empresa, como o site de divulgação Tudum e alguns estúdios de animação, foram descontinuados.
CNN+, morta na chegada
Vendida como a primeira grande incursão do jornalismo nos streamings, a CNN+ foi lançada nos Estados Unidos em 29 de março. No dia 21 de abril, a Warner Media, dona da plataforma, anunciou que o serviço seria extinto. A razão para a desistência foi a conclusão da fusão entre a Warner Media e a Discovery. Com a junção das duas empresas, os novos executivos decidiram acabar com a CNN+, já que têm planos para a criação de um serviço único que junte todos os conteúdos do conglomerado.
“Em um mercado complexo, os consumidores querem simplicidade e um serviço único que ofereça uma experiência melhor do que vários serviços espalhados”, disse em nota J.B. Perette, chefe da divisão de streaming da Warner Bros Discovery.
A CNN tinha investido cerca de US$ 300 milhões em contratações e desenvolvimento tecnológico para a plataforma. O prejuízo foi absorvido pela Warner Bros Discovery.
A exaustão do público
Um fator citado por analistas como significativo para as incertezas que têm permeado a indústria é conhecido como “cansaço de conteúdo” – o público, segundo eles, está exausto de ter tantas novas opções de filmes e séries lançadas toda semana, em um volume muito maior do que qualquer um pode conseguir acompanhar.
“Estamos em um momento em que parece que há muita coisa considerada ‘essencial’ para se fazer parte da conversa cultural”, afirmou em novembro de 2021 Anne Helen Petersen, colunista do jornal The Guardian. “Já há algum tempo, consumir mídia parece mais uma das coisas infinitas da minha lista de tarefas”, disse Petersen.
Os números refletem essas análises. Em 6 de abril, o instituto de pesquisa de mercado Nielsen publicou um estudo que mostrou que 46% dos usuários de plataformas nos Estados Unidos se sentem sobrecarregados com a quantidade de títulos disponíveis nos serviços. Os respondentes disseram que o fardo da escolha e o recuo da pandemia – que permitiu a retomada mais ampla de atividades que foram suspensas durante os piores momentos da covid-19 – fizeram com que o sentimento surgisse.
O futuro da indústria
Com os golpes que a indústria levou, as empresas passarão por um período de incertezas no curto prazo, afirmou Tony Gunnarsson, da empresa de consultoria de mercado Omdia, à revista Wired. “Vamos ver resultados financeiros muito oscilantes.”
Mark Sweney, colunista de entretenimento do jornal The Guardian, acha que um possível movimento do mercado é apostar massivamente na distribuição de episódios semanais de séries – algo que a TV tradicional já fazia e algumas plataformas, como o Disney+, fazem – , deixando de lado o modelo de lançamento de temporadas completas de uma única vez, formato consagrado pela Netflix a partir de 2013. “Estamos vendo algumas plataformas apostando em episódios semanais, que é algo que aumenta a vida útil das produções”, afirmou.
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